11.9.07

África (IX). Nunca fiz todo-o-terreno... ou será que fiz?

O velho Willys comprado sem segunda mão... segunda? oitava ou nona... ainda ostentava a placa metálica original (US Army 1943) no tablier. Era uma verdadeira relíquia e para ele, ainda menino às portas da adolescência, era um tesouro. O velho jipe não tinha portas, apenas umas correntes envoltas em mangueiras cortadas que se prendiam por um gancho, o limpa pára-brisas nem sempre funcionava, por isso havia sempre uma batata (depois explico para quê) numa prateleira a que chamávamos porta-luvas... porta-batatas é o que era. Não tinha indicador de combustível, nem de temperatura do motor, enfim, não tinha muita coisa, mas tinha muito carácter. A herança que deixo aos meus filhos é um canudo, a carta de condução e o brevet (que era baratucho no princípio dos anos 70 em Angola), habituou-se ele a ouvir do pai desde sempre... mas o jipe fica para mim, que sou o mais velho, não é pai? Foi no velho jipe que aprendeu a conduzir, tinha 12 anos. Aos sábados e domingos de manhã bem cedo entre calduços e algumas reprimendas quando a paciência do pai já se tinha esgotado... é que o Willys também não tinha travão de mão e os pontos de embraiagem eram um exercício deveras complicado nas inclinações em que o pai, naqueles momentos por ele considerado um carrasco impiedoso, lhe mandava parar. Não tem que descair nem um centímetro, vamos, recomeça... Mas pai... estás aqui para aprender, não é para passear, isso é depois, quando souberes conduzir. Quando a lição corria bem, o melhor prémio era o dito passeio, conduzindo livremente pela savana, entre as anharas perdidas no planalto, sem estradas nem picadas a ter que seguir, apenas o prazer do volante na mão, o pára-brisas tombado sobre o capot com o ar quente a bater-lhe na cara, corpo molhado pelos salpicos de riachos atravessados com bravura, sem medos, curvas apertadas para se desviar das espinheiras que os esperavam traiçoeiras, o pai ao lado a dar-lhe orientações pelos pontos cardeiais, que no mato não à esquerda nem direita, e a nuvem de pó a levantar-se atrás do velho jipe até um buraco ou um solavanco mais forte lhe dizer está na hora de voltar para casa que já estás a esticar-te, como se diz agora. Como eram divertidos e gostosos aqueles passeios de jipe no mato... aqui diz-se fazer todo-o-terreno?

2 comentários:

CPrice disse...

.. aqui chama-se todo o terreno de facto Mr. Mike .. mas eu .. praticante em tempos idos lhe garanto .. que nunca tive uma aula assim ;)

Mais uma vez um quadro fabuloso.
Gostei .. muito de ler!

Mike disse...

Grato, miss once.
E dia bom para si.

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