22.5.08

Àcerca de conversões.

A porta do vento está entreaberta e deixa passar uma aragem que ali, num paraíso não muito de longe de Lisboa, se chama brisa marítima. O mar está calmo, a rebentação suave e as ondas quebram-se tranquilas espalhando a espuma pela areia molhada. A pequena mas confortável cadeira de praia enterra-se aos poucos nessa areia que o mar amolece. Ninguém por perto. A garrafa de Moët & Chandon aberta no frapê de prata acetinada e o flute de cristal encostado aos lábios, num saborear sem pressa. A música que se ouve é a que o mar, com os seus acordes serenos, nos faz chegar. O sol despede-se da praia ao entardecer, tingindo o céu de cores que o caleidoscópio nunca sonhou existirem. Alguém se aproxima, detendo-se a uma distância respeitadora da intimidade que se vive no momento. Senhora, o seu automóvel acabou e chegar e o chauffer aguarda-a. Despede-se do pôr do sol com um sorriso e encaminha-se para o Jaguar que a espera, para dar início a uma curta viagem. Sentada confortavelmente no banco de trás, ouvindo Barry White, o frapê a seu lado e o flute na mão, sorri divertida, sentindo aproximar-se o momento da estreia. Um dos camarotes do estádio do Sporting estava reservado para si e para alguns amigos. Jogo dito grande, com o estádio repleto de adeptos que civilizadamente entoam cânticos sem que as cinquenta mil gargantas enrouqueçam. O frenesim e a agitação tomam conta de quem assiste à partida e o auge atinge-se quando a bola beija as redes da equipa visitante. O resultado alterna-se como um destino desvairado a que ninguém consegue deitar a mão. Homens, mulheres e crianças deliram ainda antes do árbitro apitar, assinalando o fim do jogo. O Benfica está antecipadamente e irremediavelmente condenado após o quinto golo do Sporting. Cinco a três, outrora a conta que Deus fez, nessa noite a conta que ditava o afastamento da equipa da Luz da importante final da Taça de Portugal. Cânticos, sempre os cânticos, celebrando os vitoriosos. O estádio esvazia-se assumindo a nobreza de um grande palco. Esperava-a uma seia na companhia dos amigos. O sorriso divertido de há umas horas atrás, encontrava eco numa alegria impossível de conter. Talvez repetisse a experiência, pensou para com os seus botões.

(Será que assim se dava o primeiro passo para a converter ao futebol? Pergunta alguém.)

32 comentários:

PSB disse...

Mike
É assim que o Sporting 'compra' adeptos? Com cenários de praia repousante, garrafas de Moët, Jaguares e Ambrósios à disposição? Olhe que os 'homens do apito dourado' foram sancionados por muito menos...
Um abraço

Anónimo disse...

O texto estava tão bom que me deixei embalar, até já começava a sentir a brisa marítima quando do nada veio uma rabanada de vento e zás, atravessa-se a imagem do... Sporting à minha frente ainda por cima a derrotar o meu Benfica! Acabou-se logo o feitiço! Ó Mike, então isso faz-se?!

Anónimo disse...

Ora, Pedro, à falta de melhor, exige-se criatividade na procura de converter os mais cépticos. :)
Um abraço.

Anónimo disse...

Teresa, as minhas desculpas. :)
Foi imperdoável da minha parte e apenas me moveu a vontade de ser convincente. Se se deixou embalar, não poderei considerar inútil ter cedido a essa vontade. Pena aquela rabanada de vento e o que se seguiu, e fez quebrar o feitiço... Mas lá que foram 5-3, ai isso foram! (risos)
Humm, a senhora vai ficar furiosa, mas o feitiço já foi quebrado, mesmo... (mais risos)

ana v. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
ana v. disse...

Deixara-se embalar pelo suave ronronar das ondas, pela cálida brisa marítima e pela voz quente e sedutora de Barry White. O bruit, bem geladinho, contribuia para a sensação de plena felicidade. Um fim de tarde perfeito, pensava ela. Enfim... quase perfeito, porque lhe faltava algo. Nem sabia bem o quê, mas faltava-lhe algo.
De repente (não mais que de repente...) uns leves passos na areia fizeram-na despertar do quase sonho em que estava. Um homem impecavelmente fardado abeirou-se dela e disse-lhe, dobrando-se respeitosamente:
- Senhora, o carro espera-a.
- Para quê, Ambrósio? Eu não mandei que mo trouxessem, que me lembre...
- Tomei a liberdade...
- Outra vez, Ambrósio??? Já estou enjoada desses chocolates. Ainda se fosse um Leonidas, por exemplo... mas essas bolinhas açucaradas que são retiradas dos supermercados no Verão, como se fossem uma coisa muito especial... pff!
- Não, Senhora. Desta vez não são chocolates. É uma surpresa.
- Ah, isso é diferente. Adoro surpresas!
- Ainda bem, Senhora, que hoje vestiu a jellabha verde esmeralda.
- Porquê, Ambrósio? Desde quando é que repara na cor da minha roupa?
Ambrósio sorriu, divertido.
- Já verá porquê, Senhora. Não posso revelar ainda o destino desta viagem.
Ela ficou intrigada. Se era alguém que queria fazer-lhe uma surpresa, tinha que ser muito especial para a tirar assim do seu paraíso. Para onde iam? Veneza? Paris? Quénia? Bora-Bora? Tudo era possível. O que vale é que tinha trazido o champagne e a música, pelo menos isso estava garantido. Deixou-se guiar, sem mais perguntas.
Depois de uma curta viagem, abriu-se à sua frente... um estádio de futebol! Rapidamente a guiaram até um camarote privado, onde alguns amigos a esperavam. Instalou-se, ainda atónita, mas disposta a gozar cada minuto da nova experiência. Era uma absoluta estreia. O jogo começou, e com ele um crescente frenesim de uma multidão expectante. "Curioso - pensou ela - Um laboratório interessante, de gente em transe que merece ser analisada à lupa. É nas bancadas que está o espectáculo que me interessa, e não no campo". Mas a atitude blasé inicial foi dando lugar a um genuíno entusiasmo, que lhe vinha de inimaginados recantos de si própria, absolutamente desconhecidos. Não sabia o que se estava a passar consigo, e o mais curioso é que não estava interessada em saber. estava, sim, mais interessada em "sentir". O coração palpitante, as emoções ao rubro, o grito de vitória pronto a sair da garganta. Puxou pela mão do amigo que a convidara e disse-lhe, baixinho:
- Leva-me para as bancadas, para o meio do povo. Quero sentir o que eles sentem, vibrar com o que eles vibram. Quero gritar e cantar com eles.
Ele fez-lhe a vontade. O jogo ganhou outra dimensão, a experiência foi única. Não percebia os termos que usavam, mas percebia as intenções e tudo fazia sentido. Percebia a febre que unia, por umas horas, toda aquela gente tão diferente. No fim, era ela quem mais saltava e gritava, quando a vitória se desenhou, explícita. A glória.
Quando o jogo acabou estava rendida e deu a mão à palmatória: daí em diante, nunca mais diria que não gostava de futebol.
Depois... um vento mais frio acordou-a do torpor. O sol já se pusera e a noite estava prestes a cair. levantou-se da cadeira, com um arrepio. Os corpo, gelado, pedia um banho bem quente no jaccuzzi.
Enquanto fechava os olhos e deixava borbulhar a água perfumada, pensou: amanhã peço ao Mike que me leve ao futebol um dia destes, quando houver um jogo bem aguerrido que valha mesmo a pena.

Anónimo disse...

Uff... :)
Semi-convertida... mas é um primeiro passo e já não é mau. E não é só ao futebol, com jeitinho, é ao Sporting. Mas tem que ser muito jeitinho, que ela fala de um jogo bem aguerrido. Caramba, valha-me que não me ouve, que isto com o Sporting podemos deitar tudo a perder. Humm, tenho que pensar... e se fosse um Sporting Vs Freixonense de Espada Gasta e Frouxa? Ela ia lá saber, desde que a convencesse que era um jogo aguerrido... e as probabilidades de vitória do Sporting aumentavam a olhos vistos. Raios, no que eu me havia de me meter... :)

ana v. disse...

Nada menos do que um Sporting-Benfica, ou Sporting-Porto, ou coisa assim. Menos que isso nem pense, e não me venha com equipes de Alguidares de Baixo porque isso não vale. E já sabe: quero a bancada, nada de camarotes vips!
E agora vou mesmo dormir, enquanto o deixo a pensar no assunto.
Beijo, até amanhã.

cristina ribeiro disse...

É isso aí, Mike! Venham mais cinco :)

Anónimo disse...

Raios! Então não é que ela me ouviu? Um Sporting - Benfica ou um Sporting - Porto... isto vai de mal a pior... :)

Anónimo disse...

Ah Cristina, que paz... a senhora não precisa de se convertida. :)

Anónimo disse...

... ser convertida... assim é que é.

ana v. disse...

Também pode ser com o Boavista, o Guimarães, o Vitória de Setúbal... e pouco mais. Já estou a dar-lhe muitas possibilidades de escolha.
Ou então - melhor ainda! - com uma equipa estrangeira. Também serve, e ainda promete mais emoção.

O Réprobo disse...

Gruuuuuumfpt!
Devo dizer que estava totalmente irmanado às perplexidades da Teresa Ribeuro, quando me apercebi de três factos, postos a nu pelos esclarecimentos desta caixa:
1- tratava-se de uma infirmação do snobismo que alguns descarados poderiam atribuir à Senhora: ela provou que, habituada ao mais Refinado, não enjeita o contacto com a plebe desbotada e esverdeada!
2- prevenidos pela confissão da irracional adesão às corridas de touros, os anfitriões dessa casa de arqutectura infeliz não se pouparam a esfrços para Lhe proporcionar uma tourada!
3- Felizmente há sempre camisolas encarnadas dispostas a protegê-La dos abusos. Claro que os portadores delas, fascinados pela Irradiante Personalidade que tinham de defender, abstraíram de pormenores de somenos, como o resultado do jogo, a partir do momento em que A notaram, na bancada, ao intervalo.
- E assim se consumou a surpresa referida, que só pôde ser tida por agradável em função do confesso desinteresse pelo futebol.
Nada como um final feliz, com tudo explicadinho!
Beijinhos e abraços

Anónimo disse...

Refinadamente cáustico, caro Réprobo... ainda os efeitos de uma época refinadamente desastrada?
Ana, não Lhe dê ouvidos. Quem aprecia champanhe jamais poderá torcer por um clube lá para os lados da Luz.

fugidia disse...

Ora, ora,
eu aprecio e sou benfiquista!!!
E sou uma Senhora :-p

Querido Repr, não ligue: será verde de pouca dura :-)))

tcl disse...

ora aqui está um post sobre futebol que agrada a qualquer senhora! ao que um homem chega...
:-)

Anónimo disse...

Obrigado, TLC. :) e seja bem vinda. Como vê isto aqui é uma desconversa pegada (risos).
Sabe uma coisa? Antes disso, consegue guardar um segredo? Admitindo que sim... não há nada que uma senhora não queira que um cavalheiro não faça... shiu. :)

ana v. disse...

Mme Ferrero Rocher confessa que está deliciada com este despique clubístico, cavalheiros. E espera, nos próximos tempos, sugestões irrecusáveis de jogos que a convertam a tão nobre actividade. Sempre com champanhe, evidentemente, e sempre com uma elucidativa passagem (mesmo que breve) pelo convívio com a plebe, na bancada.
Faites vos jeux, messieurs!

Anónimo disse...

Nãããããããão, Ana. Não se meta nisso... ainda a vão convidar para ir ao Estádio da Luz, credo!

ana v. disse...

Dou-lhe a primazia, Mike, já que partiu de si a ideia. Está na sua mão que eu me desinteresse definitivamente por outros estádios e por outras cores! Aplique-se, mon cher.

(ai, o que eu gosto deste papel...)

Luísa A. disse...

Muitos parabéns, Mike. Com um tratamento destes, aderiria a qualquer desporto, até ao ténis! :-)
P.S.: Querida Ana, a minha irrepetível experiência diz-me que o futebol de bancada pode ser um espectáculo pouco interessante e, às vezes, pouco edificante. Ao nível da bancada, a boa aposta parece-me... o ténis. ;-D

ana v. disse...

Obrigada pelo conselho, Luísa, prometo que vou tê-lo em conta. Mas confesso que gosto de emoções fortes, e parece-me que só assim vou perceber realmente o que é um jogo de futebol. Se tenho que ser convertida, então quero um pleno!
Já vi muitos jogos de ténis ao vivo (demasiados, diria), disso já tenho a minha conta.
Um beijinho

Oppps! Mike, peço desculpa por ter açambarcado a sua caixa de comentários.

Anónimo disse...

Ora essa, Ana, sem querer até me deu uma ideia.
Sai um copo de Pleno (leite) para a senhora que gosta do papel.

Anónimo disse...

Luísa, estou eternamente grato pela tentativa de auxílio. A sério. Mas parece que a Ana é de ideias fixas.

Ana, a menina não era senhora para gostar de queijo, não?

ana v. disse...

Amo queijo, adoro queijo, tenho paixão por queijo, alimentava-me de queijo... enfim, gosto de todos os queijos, sem excepção.

Porquê?

CPrice disse...

surpreendente prosa de convencimento Caro Mike .. claro que consubstanciada pelos fantásticos comentários .. :)

Anónimo disse...

Ora, obrigado Once. O nosso Sporting merece o esforço para se converterem fiéis cuja fé esteja abalada. :)

Anónimo disse...

Continue a comer queijo, Ana... coma muito (risos).
Pode ser que se esqueça de alguma coisa, entretanto... (mais risos).

ana v. disse...

Pode ser que me esqueça do nome dos clubes? Ou do resultado do jogo? Ou da bancada? Ah, desengane-se, o queijo nunca me tirou capacidades...

Espere aí: onde é que nós íamos, mesmo??? A um jogo de cricket? Bolas, já não me lembro...

Anónimo disse...

(gargalhada)

Anónimo disse...
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