1.5.08

Talvez sim, talvez não (ainda a propósito de balanços).

Já aqui escrevi sobre os balanços que faço em dois momentos do ano. Depois de um desses balanços, normalmente eu e os meus mais velhos, uma menina feita mulher de vinte e três anos e um menino ainda rapaz de dezanove, vamos jantar juntos, não com o intuito de fazer com eles mais um dever e haver na vida, que isso deixo que o façam sobre e para eles próprios. Digamos que nesse jantar a conversa aborda assuntos mais sérios que, invariavelmente, nos leva a percorrer um ano acabado de passar. Mas tendo o cuidado de evitar constrangimentos que esses são tratados no momento em que as situações mais delicadas têm lugar, e, a bem dizer, são tão poucos que nem guardo memória de nenhum deles. Alguém com legitimidade para mo dizer, costumava afirmar que eu era demasiado tolerante. Com o tempo, e com a legitimidade que também me assistia, habituei-me a encolher os ombros à observação, prosseguindo no rumo e no compromisso que assumi como educador e pai. Talvez sim, talvez não, pensava por vezes e não dando como gratuita essa crítica. No último desses jantares brincámos a um faz de conta sério, abordando e enfrentando um hipotético cenário de contrariedade e dificuldade na minha vida, nas nossas vidas, que eles vivendo comigo também teriam que o enfrentar. De que teríamos que abdicar, para onde forçosamente iríamos viver, que sacrifícios haveria que fazer, que soluções, mesmo drásticas, teríamos que encontrar para fazer face a essa enorme e séria contrariedade, continuando a viver as nossas vidas com dignidade? Que a atitude perante a vida deveria imperar? Com que espírito nos entregaríamos a essa empreitada? Eu preferindo ouvi-los atentamente e eles dois partilhando comigo as suas visões e soluções, convictamente. Fiquei a saber que estariam prontos a abdicar da maior parte do conforto que os rodeia, que dos transportes públicos não diríamos mal, que o mais velho interromperia os estudos universitários para a um qualquer emprego deitar as mãos e que a mais velha se oporia a isso, abdicando ela da dança oriental, do ballet e da capoeira para comparticipar as propinas do irmão, já que injusto seria ele não poder usufruir duma preparação que a ela tinha sido proporcionada. E fiquei a saber muitas mais coisas. Fiquei a saber, por exemplo, que se essa hipotética e séria contrariedade acontecesse nas nossas vidas, muitos dos verbos deste texto não seriam escritos no Condicional e sim no Futuro do Indicativo, indicador de um futuro menos sombrio mesmo que nuvens muito escuras pairassem sobre os nossos espíritos, ou grandes rochas e denso nevoeiro nos dificultassem a orientação e o caminho. Demasiado tolerante? Talvez sim, talvez não. A vida pratica-se mais do que se diz, mas o que ouvi dos dois confortou-me, não para meu bem, mas para bem deles.

8 comentários:

ana v. disse...

Tiro-lhe o chapéu, Mike. E dou-lhe os parabéns. Desta vez não por uma viagem bem descrita que me faz água na boca, mas pelo seu papel de pai, que adivinho de alta qualidade. Demasiado tolerante? Humm, não me parece. Próximo, isso sim, e é muito bom que assim seja. Esse exercício de prever cenários sombrios pode ser muito útil para eles, e a verdade é que nunca sabemos o dia de amanhã. Se tiverem que enfrentar dificuldades, é bom que não fiquem paralizados, que saibam arregaçar as mangas e inventar soluções. E, sobretudo, que não considerem eterno e inesgotável tudo o que têm. Enterneceu-me mais uma vez a maneira como fala dos seus filhos, sem pieguices mas com muito amor e verdadeiro orgulho.
Um beijo

PSB disse...

Mike
Venho aqui deixar-lhe o meu testemunho de Pai também de 5 rebentos (curiosamente, também, 2 raparigas e 3 rapazes) com idades um pouco acima dos seus (31, 29, 19, 17 e 12) e já com descendência na geração seguinte (8 e 5), corroborando essa sua postura de (por outros chamada) 'tolerância', que pratico. Desde sempre e sem arrependimento. Dando-lhes espaço de afirmação, com liberdade 'acompanhada' e responsabilidade para crescerem, aprendendo a fazerem as suas opções, sabendo antecipar os potenciais riscos das suas escolhas.
Gostei muito desse seu exercício num 'cenário de catástrofe'. Seguramente que os ajuda a crescer e a aprenderem a não dar nada por garantido.
Parabéns e um abraço

CPrice disse...

Excelente exercício Caro Mike que de tolerante, desculpe, mas não tem nada.
Que nunca seja necessário colocar tudo isso em prática. Mas se for, tem o descanso que saberão como.
Parabéns aos Filhos * Parabéns ao Pai.

Anónimo disse...

AV, obrigado pelas suas palavras. O papel não o considero de alta qualidade, que isso é tão relativo, mas tão relativo... talvez reciclável, que nos tempos que correm... (risos).
Um beijo.

Anónimo disse...

Pedro, e eu, um jovem adulto ;), a pensar que era dos poucos a compensar a estatística populacional portuguesa, (porque não dizer europeia?)... Melhor que ninguém, e as minhas desculpas aos pais e mães que me lêem, sabe do que falo.
Obrigado por esta partilha, que adivinho também com um sorriso, e orgulho indisfarçável.
Um abraço.

Anónimo disse...

Once, :)
Vou encarregar-me de dar os seus parabéns aos meus mais velhos. O pai agradece os que lhe são endereçados.

fugidia disse...

Caro Mike,
estou agradavelmente surpreendida com as leituras destes posts-pais-filhos.
Parabéns! :-)

Anónimo disse...

fugidia, eu que é que agradeço a sua presença e os seus comentários. :)

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