22.6.08

Viver sem improvisar? Ou viver improvisando?

Julgo ser consensual os portugueses serem considerados por eles próprios, e não só, mestres no improviso ou, indo mais longe, mestres do improviso. A minha vivência no Brasil, mesmo considerando ter sido numa das cidades menos brasileiras do país irmão, fez-me ponderar seriamente, adicionar a esta característica em que os lusos são mestres, também os nativos de Terras de Vera Cruz. Viver sem improvisar parece-me de todo irreal, principalmente quando de portugueses e brasileiros se trata, não conseguindo conceber ou imaginar que haja povos que vivam sem que à sua vida juntem uma dose de improviso. Contudo, a fronteira entre as virtudes e os defeitos desta característica ou conceito, é clara, ampla e notória, e foi bem definida por Francis Ford Coppola quando dirigia, sob um apocalipse, um filme que se tornou épico e de nome muito parecido. Consta que Coppola, à beira de um ataque de nervos e passando por momentos precários, mas mantendo um equilíbrio inimaginável, perguntava aos actores antes de entrarem em cena o que iam dizer ou fazer. A quem respondia a contento do notável realizador, e de acordo com o guião, Coppola dizia simplesmente “muito bem, agora podes improvisar”. Este pequeno exemplo, onde nos é dado a assistir a valorização do método e do estudo e a consagração da competência e do profissionalismo, é cristalino e ilucidativo. Nós somos bons, ou mesmo os melhores a improvisar, oiço amiúde vozes orgulhosas a afirmar. Somos tão bons a improvisar que até inventámos uma palavra a propósito. Desenrascar. E habituámo-nos a viver improvisando, ou à nossa não boa mas má maneira, não sabemos viver sem esta paixão lusitana que é o desenrascar.

13 comentários:

ana v. disse...

Claro que é importante saber fazer as coisas by the book, com esforço e trabalho de preparação. Mas o improviso é uma qualidade muito útil porque nem sempre as coisas se apresentam como as tínhamos previsto, e aí é muito bom que sejamos capazes de rodear os problemas e encontrar-lhes uma solução alternativa.
Eu gosto do improviso, nisso sou muito portuguesa.
;)

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

eu adoro o improviso, odeio progrmar demasiado as coisas, sai-me sempre mal.

Anónimo disse...

Ana, eu também me sinto bem a improvisar, mas tenho reparado, ao longo do tempo, que o sucesso do improviso aumenta quando as coisas foram, à priori, alvo de estudo ou sabia o que queria e para onde queria ir. :)

Júlia, eu não odeio programar as coisas, se bem que programar demasiado também não faz o meu género. E, claro, há a tal diferença entre improvisar e desenrascar... :)

Cristina Ribeiro disse...

Eu gosto de planear as coisas com muito tempo, o que até é motivo de troça cá em casa. Mas uma margem de improviso há sempre.
Como diz a Ana, é bom termos o "jogo de cintura" que nos faculte sempre um Plano B :)

Luísa A. disse...

Concordo, Mike, com tudo o que aqui foi dito. O nosso defeito talvez seja confiar demasiado na capacidade de improvisação, ao ponto de desprezar a preparação. Pessoalmente – e como a Cristina – gosto imenso de planear e faço planos para tudo e mais alguma coisa. Mas o prazer maior é, sem dúvida, sair-me bem na resolução dos problemas que as inevitáveis falhas de planeamento levantam. :-)

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

fazer um rascunho mental é sempre necessário,mas depende do que planeamos.

sOBRE O FUTURO, MAIS VALE NADA PLANEAR, "O homem põe, Deus dispõe"

Anónimo disse...

Cristina, também gosto de planear com tempo mas nunca a ponto de ser motivo de troça. :)

Luísa, disse e disse muito bem. :)

Júlia, os meus rascunhos, por vezes, vão para além do mental, mas planear o futuro estou consigo... cada dia é um dia. :)

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

a quem o diz, Mike...

fugidia disse...

Eu sou organizada, metódica, e gosto de planear, organizar (é também uma forma de sobreviver quando se vive com duas princesinhas cheias de energia que, ligadas a um gerador, dão electricidade ao universo inteiro :-p)

Mas gosto de pontuar a organização, o planeamento, com improviso: é a minha necessidade de não espartilhar uma certa loucura que tenho...

Mas não aprecio muito a arte de "desenrascar"; só em casos excepcionais e porque lhe dou um significado quase perjorativo
:-)))

Anónimo disse...

Fugidia, por outras palavras, desenrascar é tramado. (risos)

O Réprobo disse...

Eu nisso sou muito nacional, Caro Mike, porque não tenho tempo para planeamentos e sendo luso-italiano, duas origens pouco dadas ao método, preciso daquela pressãozinha do momento para fazer algo que não me envergonhe.
Planear rouba-nos tanto da vida...
Abraço

Anónimo disse...

Mas poupa-nos outro tanto dela, Caríssimo.
Abraço.

L. Rodrigues disse...

Apenas sobre o "Heart of Darkness: a directors apocalypse":
posso dizer que tenho uma cópia que cabe num CD. Tem legendas em francês, mas vale a pena. Nunca saiu em DVD, apenas há por aí uns VHS, ou coisas como esta que tenho, aparentemente gravadas de uma televisão francesa.
É uma peça para apreciadores...

Arquivo do blog